Quem dirige no trânsito caótico de algumas cidades, é evidente, por vezes sente raiva. Também, há razão de sobra para se ficar furioso com injustiças no âmbito do trabalho, com atitudes que nos atinge e demonstram desconsideração e desrespeito em qualquer lugar. Quem ainda não sentiu o gosto amargo da raiva quando foi ludibriado por alguém? Quando foi humilhado, quando foi vítima de alguma injúria ou difamação, quando foi traído? Quando sofre assédio moral…
A raiva é um sentimento universal, democrático, e, em certa medida, contagioso. Raiva não é crueldade; nem é ódio ou rancor profundo e duradouro que se sente por alguém. Ela é tão democrática que, paradoxalmente, quase sempre, atinge fortemente ditadores e os regimes ditatoriais.
Essa “coisa”, que muitas vezes está presente em nossas vidas, no cotidiano de todos nós, em menor ou maior intensidade, pode fugir do controle e alcançar os profissionais da saúde, da educação, e os respectivos usuários. Pode mexer até com líderes religiosos esforçados no sentido de evitarem senti-la. É um sentimento com presença garantida nos gabinetes atapetados de governantes, e empresários; atinge criancinhas, adolescentes, jovens, adultos e idosos, independente de quaisquer rótulos; e se espraia como água por onde houver gente divergindo de ideias de gente, e por onde se fizer necessário argumentar, flexibilizar, ceder espaço.
A raiva está presente nas relações diplomáticas, comerciais, industriais e bancárias, em todos os níveis, gerando estresses sem conta.
Mas, apesar de tudo, a raiva é um sentimento injustamente condenado por muitos como algo ruim, que sugere desequilíbrio emocional, descontrole, quando, na realidade, sem ela, não seríamos quem somos.
Para chegarmos até onde estamos, na condição de sociedade organizada, nossos antepassados tiveram que, por muitas ocasiões, demonstrarem rispidez e antagonismo ferrenho, para, então, com raiva, vencerem e se fazerem respeitados.
Estudos sérios revelam que sentir o sangue ferver, como se diz para designar o ímpeto raivoso, é natural, faz parte de nossa condição humana, e até chega a ser saudável (desde que a dose da raiva não extrapole a da razão). “Jogar os bichos pra fora” de nós mesmos, é providencial, quando a cabeça esquenta.
Não são raras as tentativas de se esconder a raiva, como se ela fosse uma transgressão grave, ainda que ninguém esteja isento de senti-la. Crianças são orientadas para camuflar a ira, mas, na fase adolescente ou adulta, podem exprimi-la de um jeito tão enfático, na forma de transtornos comportamentais futuros, que chegam a ser categorizados como delitos penais graves.
No geral, uns conseguem controlar muito bem esse sentimento pouco simpático, e até transparecem serenidade em momentos de turbulência, quando a adrenalina altera os batimentos cardíacos, e o “nó na garganta” dificulta a respiração; outros, altamente inflamáveis, incendeiam e deixam-se incendiar, virando tudo um fogaréu só, a queimar amizades, ou etapas que, bem administradas, poderiam resultar em ocasiões muito mais proveitosas em termos de aprendizado, de evolução humana no setor dos sentimentos mais nobres, como a tolerância, a compreensão, o respeito…
Assim, a depender da interpretação que dermos a um evento qualquer, se o entendermos como uma afronta, uma ameaça ou injustiça pessoal, o pensamento avaliativo resultará numa alteração do corpo físico, quando o coração acelera, os músculos ficam tensos e surge uma sensação de sufoco. É justo aí, que pode acontecer as reações impulsivas, através da agressividade que pode descambar para a ferocidade, para a cólera ou para o ódio descontrolado.
O fato é que a raiva dá energia e vigor no aprontamento da pessoa para fazer frente a alguma ameaça, às situações de injustiça e abusos. Entretanto, ela deve ser mantida sob rígido controle e, se for usada, deve, preferencialmente, ser no estrito âmbito daquilo que seja construtivo. Um raivoso descontrolado, que com frequência mostra sua ira, que rosna a todo instante e por quase nada, com frequência desanda para a agressão e a violência interpessoal, com consequências que podem resultar na visita a um hospital (como paciente), a um presídio (na condição de reeducando interno), ou a um cemitério (sem direito a volta).
Quem se enraivece com facilidade, de tanto bombardear o sistema nervoso e os órgãos vitais, como o coração, com cargas brutais de hormônios que transformam-se em veneno bravo, pode sentir os efeitos nefastos da hipertensão, das úlceras, da depressão e da obesidade, dos cânceres e, no campo social, experimentar inimizades, desempregos, separações, solidões, e demais relações interpessoais tumultuadas, “ganhando”, de lambuja, altíssimos níveis de estresse.
Sentir raiva parece que é uma espécie de sina para quem está vivo, mas a agressividade deve ser exercida com rédeas curtas, sem folgas que resultem em atropelos, ou desastres irrecuperáveis.
Jonas Paulo
jonaspaulo@gmail.com
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